- Oi. – Micael disse baixo assim que chegou na cozinha e viu
a mão andando de um lado para o outro. – Está perdida?
- Oi. – A mulher ficou sem graça. – É estranho cozinhar em
um local que não é o nosso, essa casa é bem diferente da que eu conheci.
- Pois é, aquela era mais humilde. – Micael alfinetou. –
Aposto que você não achava que meu pai faria tanto dinheiro, não é mesmo?
- Micael, você por um acaso está insinuando que eu fui
embora por causa de dinheiro? – Sua expressão era realmente triste. – Não foi
isso que aconteceu.
- Sabe que pra mim sempre foi o que pareceu?! – Estava sendo
rude, mas pelo menos dessa vez não era proposital. – Você largou a gente e foi
embora pra Londres com um gringo rico que era seu amante.
- Em primeiro lugar, eu nunca trai o seu pai. Nós separamos,
eu conheci o Joseph e pronto. Não foi por dinheiro. – Ela cortava um tomate. –
Foi uma paixão avassaladora que surgiu e eu resolvi me jogar, eu já estava
divorciada.
- Claro que estava, do meu pai e de mim. – Fez uma careta. A
mulher parou de cortar o tomate e encarou Micael.
- Eu errei com você mais do que qualquer mãe que eu conheça
errou com um filho. – Micael assentiu. – Eu tenho plena consciência disso. Hoje
eu sei que esse acordo que eu fiz com seu pai de não falar com você foi
estupido. Eu devia ter te ligado e mostrado pra você o quão amado você sempre
foi, mas a questão é que eu não posso fazer isso, não dá pra mudar o que já
passou.
- “O quão amado você sempre foi” – Ele debochou. – Você fala
como se tivesse se lembrado de mim em algum momento da sua vida além de uma vez
por mês em que ligava pra perguntar se eu estava vivo ou não.
- Uma vez por mês? – Ela franziu a testa. – Nos primeiros
dias eu ligava todos os dias para o seu pai, eu fazia questão de saber como
você estava e como tinha sido cada hora do seu dia. – A mulher tinha os olhos
marejados. – Com o passar do tempo que eu fui desencanando um pouco e parei de
perturbar o Jorge todos os dias, mas nunca foi uma vez por mês.
- Ele disse pra mim que era assim. – Manteve a carranca. –
Eu não vejo motivos pra que ele tenha mentido sobre isso.
- Meu amor. – A carranca se intensificou diante daquelas palavras.
– Meu intuito aqui não é colocar você contra seu pai, eu jamais faria isso. Ele
pode ter mentido por muitos motivos, afinal, você sabe que ele de certa forma
nunca superou a minha ida.
- E mesmo assim fica atrás de você, te defendendo. – Rolou
os olhos. – É isso que eu não entendo.
- O seu pai sabe de coisas que você não sabe, filho. – Ela desviou
o olhar e voltou a se concentrar nas panelas que tinha diante de si. – Eu conversei
com ele sobre alguns assuntos assim que voltei, expliquei meus motivos e pedi
ajuda a ela pra me reaproximar de você.
- Ele sempre amou você, logico que não ia pensar duas vezes
antes de te ajuda. – Bufou. – Como você mesma disse, ele nunca superou a sua
ida.
- Isso tudo vai muito além de amor, filho. – Ela não tinha
coragem de levantar a cabeça e olhar nos olhos do moreno. – Tem toda uma
história por trás dele ter me acolhido e me ajudado. E não, não é pra gente
restaurar a nossa família feliz como você disse a ele que aconteceria.
- Ele te contou isso é?! – Se lembrou daquela discussão com
o pai. – Muito fofoqueiro.
- Nós conversamos bastante e eu sei de muita coisa da sua
vida. – Finalmente ela levantou o olhar. – Inclusive que essa sua namoradinha
ai te traiu e mesmo assim você continuou com ela.
- Ah, pronto. – Debochou, levemente irritado. – Mais uma pra
se meter na minha vida.
- Não vou me meter, eu não fui com a cara dela num primeiro
momento, mas depois até simpatizei. – Disse com um sorriso. – Parece ser gente
boa, só que...
- Só que nada, mãe. – Ela sorriu, gostava de ouvir ele a
chamando de mãe. – Sophia é o amor da minha vida e eu vou casar com ela, esse
assunto não está aberto a debate.
- Tudo bem, não precisa ficar irritado. – Ergueu as mãos.
- Você vai me dizer porque é que voltou agora depois de
tanto tempo? – Suavizou a voz. – Vai dizer que só agora a saudade apertou?
- Não, foi uma série de acontecimentos que culminou nisso. –
Deu de ombros. – Eu estava pretendendo falar com você desde que foi pra França,
só que me faltava coragem.
- “Faltava coragem”. – Debochou de novo. – Você jura que é
esse o argumento que vai usar?
- Faltou coragem pra me aproximar e pra ouvir de você todas
as coisas que me diria, faltou coragem pra assumir meus erros e pedir desculpa
por ter abandonado você. Eu não estava preparada.
- Claro, ai só levou sete anos pra coragem aparecer, né? – Ironizou.
– Bem rápido até.
- Eu acabei me separando do Joseph há alguns meses... – Foi interrompida
pela risada do Micael.
- Você me abandonou por esse cara e só voltou por causa que terminou
com ele? Se não tivesse separado, mamãe querida, teria voltado também?
- Você não está estendendo, um dos motivos da minha
separação foi a minha decisão de voltar ao Brasil pra ver você. Ele não
concordava com isso e ai chegou em um ponto que não deu mais pra aguentar.
- Ai me conta, depois disso você não aguentou de saudade de
mim. Afinal, estava acumulada há quinze anos. – A mulher respirou fundo e
ergueu a cabeça, olhando nos olhos de Micael ao confessar aquele que pretendia
esconder por um tempo.
- Eu fui diagnosticada com câncer de mama. – Ele parou de
falar por um tempo assimilando aquilo. – Eu senti que a minha vida estava se
esvaindo pelas minhas mãos, que meus dias estavam contados assim que eu recebi
aquele diagnostico. Então eu percebi que não tinha mais tempo pra ser covarde,
eu precisava encarar você e seu pai, eu precisava saber que você me perdoava
antes que... – Ela não terminou de falar e começou a chorar. Micael estava
parado do outro lado do balcão com os olhos tão arregalados que não sabia como
reagir aquela notícia. – Eu não queria usar essa doença horrível pra fazer você
me perdoar por pena, eu queria que acontecesse naturalmente, mas você não me dá
brecha, não para de me acusar. – A mulher seguiu tagarelando entre lagrimas. Micael
deu a volta no balcão e abraçou a mãe, ainda sem dizer nenhuma palavra.
Continuaaa
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