Medo de Amar - Capitulo 114


- Oi. – Micael disse baixo assim que chegou na cozinha e viu a mão andando de um lado para o outro. – Está perdida?

- Oi. – A mulher ficou sem graça. – É estranho cozinhar em um local que não é o nosso, essa casa é bem diferente da que eu conheci.

- Pois é, aquela era mais humilde. – Micael alfinetou. – Aposto que você não achava que meu pai faria tanto dinheiro, não é mesmo?

- Micael, você por um acaso está insinuando que eu fui embora por causa de dinheiro? – Sua expressão era realmente triste. – Não foi isso que aconteceu.

- Sabe que pra mim sempre foi o que pareceu?! – Estava sendo rude, mas pelo menos dessa vez não era proposital. – Você largou a gente e foi embora pra Londres com um gringo rico que era seu amante.

- Em primeiro lugar, eu nunca trai o seu pai. Nós separamos, eu conheci o Joseph e pronto. Não foi por dinheiro. – Ela cortava um tomate. – Foi uma paixão avassaladora que surgiu e eu resolvi me jogar, eu já estava divorciada.

- Claro que estava, do meu pai e de mim. – Fez uma careta. A mulher parou de cortar o tomate e encarou Micael.

- Eu errei com você mais do que qualquer mãe que eu conheça errou com um filho. – Micael assentiu. – Eu tenho plena consciência disso. Hoje eu sei que esse acordo que eu fiz com seu pai de não falar com você foi estupido. Eu devia ter te ligado e mostrado pra você o quão amado você sempre foi, mas a questão é que eu não posso fazer isso, não dá pra mudar o que já passou.

- “O quão amado você sempre foi” – Ele debochou. – Você fala como se tivesse se lembrado de mim em algum momento da sua vida além de uma vez por mês em que ligava pra perguntar se eu estava vivo ou não.

- Uma vez por mês? – Ela franziu a testa. – Nos primeiros dias eu ligava todos os dias para o seu pai, eu fazia questão de saber como você estava e como tinha sido cada hora do seu dia. – A mulher tinha os olhos marejados. – Com o passar do tempo que eu fui desencanando um pouco e parei de perturbar o Jorge todos os dias, mas nunca foi uma vez por mês.

- Ele disse pra mim que era assim. – Manteve a carranca. – Eu não vejo motivos pra que ele tenha mentido sobre isso.

- Meu amor. – A carranca se intensificou diante daquelas palavras. – Meu intuito aqui não é colocar você contra seu pai, eu jamais faria isso. Ele pode ter mentido por muitos motivos, afinal, você sabe que ele de certa forma nunca superou a minha ida.

- E mesmo assim fica atrás de você, te defendendo. – Rolou os olhos. – É isso que eu não entendo.

- O seu pai sabe de coisas que você não sabe, filho. – Ela desviou o olhar e voltou a se concentrar nas panelas que tinha diante de si. – Eu conversei com ele sobre alguns assuntos assim que voltei, expliquei meus motivos e pedi ajuda a ela pra me reaproximar de você.

- Ele sempre amou você, logico que não ia pensar duas vezes antes de te ajuda. – Bufou. – Como você mesma disse, ele nunca superou a sua ida.

- Isso tudo vai muito além de amor, filho. – Ela não tinha coragem de levantar a cabeça e olhar nos olhos do moreno. – Tem toda uma história por trás dele ter me acolhido e me ajudado. E não, não é pra gente restaurar a nossa família feliz como você disse a ele que aconteceria.

- Ele te contou isso é?! – Se lembrou daquela discussão com o pai. – Muito fofoqueiro.

- Nós conversamos bastante e eu sei de muita coisa da sua vida. – Finalmente ela levantou o olhar. – Inclusive que essa sua namoradinha ai te traiu e mesmo assim você continuou com ela.

- Ah, pronto. – Debochou, levemente irritado. – Mais uma pra se meter na minha vida.

- Não vou me meter, eu não fui com a cara dela num primeiro momento, mas depois até simpatizei. – Disse com um sorriso. – Parece ser gente boa, só que...

- Só que nada, mãe. – Ela sorriu, gostava de ouvir ele a chamando de mãe. – Sophia é o amor da minha vida e eu vou casar com ela, esse assunto não está aberto a debate.

- Tudo bem, não precisa ficar irritado. – Ergueu as mãos.

- Você vai me dizer porque é que voltou agora depois de tanto tempo? – Suavizou a voz. – Vai dizer que só agora a saudade apertou?

- Não, foi uma série de acontecimentos que culminou nisso. – Deu de ombros. – Eu estava pretendendo falar com você desde que foi pra França, só que me faltava coragem.

- “Faltava coragem”. – Debochou de novo. – Você jura que é esse o argumento que vai usar?

- Faltou coragem pra me aproximar e pra ouvir de você todas as coisas que me diria, faltou coragem pra assumir meus erros e pedir desculpa por ter abandonado você. Eu não estava preparada.

- Claro, ai só levou sete anos pra coragem aparecer, né? – Ironizou. – Bem rápido até.

- Eu acabei me separando do Joseph há alguns meses... – Foi interrompida pela risada do Micael.

- Você me abandonou por esse cara e só voltou por causa que terminou com ele? Se não tivesse separado, mamãe querida, teria voltado também?

- Você não está estendendo, um dos motivos da minha separação foi a minha decisão de voltar ao Brasil pra ver você. Ele não concordava com isso e ai chegou em um ponto que não deu mais pra aguentar.

- Ai me conta, depois disso você não aguentou de saudade de mim. Afinal, estava acumulada há quinze anos. – A mulher respirou fundo e ergueu a cabeça, olhando nos olhos de Micael ao confessar aquele que pretendia esconder por um tempo.

- Eu fui diagnosticada com câncer de mama. – Ele parou de falar por um tempo assimilando aquilo. – Eu senti que a minha vida estava se esvaindo pelas minhas mãos, que meus dias estavam contados assim que eu recebi aquele diagnostico. Então eu percebi que não tinha mais tempo pra ser covarde, eu precisava encarar você e seu pai, eu precisava saber que você me perdoava antes que... – Ela não terminou de falar e começou a chorar. Micael estava parado do outro lado do balcão com os olhos tão arregalados que não sabia como reagir aquela notícia. – Eu não queria usar essa doença horrível pra fazer você me perdoar por pena, eu queria que acontecesse naturalmente, mas você não me dá brecha, não para de me acusar. – A mulher seguiu tagarelando entre lagrimas. Micael deu a volta no balcão e abraçou a mãe, ainda sem dizer nenhuma palavra.

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